Sentado num tronco seco, todo branco que já conhecera anos de naufrágio e depois dera toda a cor ao Sol ao dar á costa, o velho riscava rabiscos na areia.
Riscava e tornava a riscar passando com o pé por cima de tudo e voltando a riscar nos mesmos sítios com outros desenhos herméticos e abstractos.
Ria-se para eles e fechava os olhos falando baixinho. Recitava alto, voltava a abrir os olhos e voltava a riscar na areia.
- O que fazes? - Perguntou o rapaz recém-chegado que ficara olhando para ele com curiosidade.
- Escrevo poemas. - Respondeu o ancião.
- Mas poemas? Com riscos que não são letras nem desenhos?...- Fez-se uma pausa, e depois o velho continuou:
- Não sei ler. E cada traço destes é uma ideia, um mundo que eu construo no meu interior. Estás a ver este traço? É uma ilha. A minha ilha. O que eu daria para poder ir até à ilha e voltar a estar com ela…
- Mas isso é fácil amigo. – Interveio o jovem. – É só ir ali pela ponte…. - O ancião nem olhou na direcção que o jovem apontava. Fez mais uns traços na areia e sem levantar os olhos disse:
- A ilha que tu vês já não existe. A ponte que lhe fizeram é uma lança que a despejou da vida que tinha quando eu a visitava. Tinha de ir a nado na maré baixa de banco de areia em banco de areia, e lá moravam os espíritos que sangraram até à morte. – Agora o rapaz olhava extasiado para ele.
- Conte como era a ilha no seu tempo…-
O ancião olhou para o jovem e disse-lhe com ar grave:
- Não te posso contar o sítio onde fui feliz por instantes. A felicidade é feita só de instantes breves que ficam a morar no nosso espírito eternamente. Só assim a lembra-las somos felizes durante a vida e repetimos os momentos. Mas a ponte sangrou os meus instantes e esvaziou a eternidade dos tempos. Como queres que te conte se estou vazio?....-
O jovem olhou para a ilha e para a ponte e sentou-se junto ao velho.
- Por isso faz poemas na areia ….. -
- Sim – disse o Ancião. – Faço poemas com a eternidade do meu pé ao passar por cima deles. São apenas instantes sem eternidade, essa foi-me tirada, nada mais me lembra nada mais me resta senão ir em frente sem olhar para trás navegando nestes poemas que se desfazem como os rastos que a minha alma faz na água onde procura a ilha num futuro que já não existe…..-
E dizendo isto ajeitou o pé e apagou o jovem e o dialogo que tinha estado a riscar com ele na areia da praia….